domingo, 10 de março de 2019

Carta de Amor a um Cancro

Era verão, um verão quente de 2017 em que te senti pela primeira vez. Não sabia quem tu eras nem o que pretendias de mim. Por que razão me escolheste? Porquê eu? Provavelmente porque sou especial e tu sabias das minhas capacidades de superação. Nesse momento nasceu uma ligação que nos vai unir para sempre.

Tal como um filho se instala e se agarra ao útero da mãe, tu instalaste-te no meu peito para que pudesses viver, para que pudesses crescer e desenvolver. Eras ainda um embrião e não dei conta da tua chegada.
A primeira vez que te senti foi apenas um toque, um bater na pele, avisando que estavas lá. Começaste a crescer e no final desse verão consegui conhecer-te. Parecias um cometa, redondinho, com uma bonita cauda a deixar um rasto de luz. Finalmente soube quem tu eras, naquele 29 de Dezembro de 2017 que para sempre ficará na minha memória.
A Doutora chamou-te de Triplo Negativo. Fiquei zangada, muito zangada, e durante algum tempo tive medo de ti, muito… Decidi então que tinha de te amar, também tu estavas a sofrer, estavas doente e eu tinha que acabar com o teu sofrimento, tinha que tratar de ti para eu poder viver.

Começamos por te dar um líquido chamado quimioterapia para que o teu sofrimento fosse cada vez menor, mas teimoso como eras não estava a resultar. Resistias como uma rocha resiste ao bater da onda do mar e voltei a ter medo, muito medo... estavas mais forte do que eu. 
De repente rendeste-te, baixaste a guarda, e a pouco e pouco foste ficando mais pequeno, até que no final alguém te levou, alguém te tirou de dentro de mim. 
Por causa da tua teimosia, a Doutora teve que fazer mais tratamentos, vários meses de mais quimioterapia, várias sessões de radiação. Tudo isto porque não podes voltar, pois tal como eu, tu também precisas de descansar. 

Hoje terminaram os tratamentos! 

E terminaram da maneira mais bonita e emocionante. O técnico da Radioterapia, depois de colocar todas as coordenadas na máquina, fez-me uma festa no rosto e disse “Vamos lá cortar a Meta”. 
Cortei a meta, e emocionada rasguei a fita com as lágrimas a rolarem pela face, com a sensação de dever cumprido enquanto a última dose de radiação atingia o meu peito.

Tive que te Amar... mas agora está na hora de irmos os dois descansar!

08/03/2019